Simone Mandala - 2019
Ei,
Mais um vinte e três do onze passou. Mais um ano sem você.
Eu estava onde sempre disse que queria estar - no meio do mato cercada pela natureza - fazendo exatamente o que você sempre disse que eu faria - dando aula. Que mundo louco esse que juntou as minhas expectativas com as suas e misturou tudo até virar uma coisa só .
Eu achei que fosse ser dolorido mas teve amor e saudade à distância, via chamada de vídeo resistindo ao Wi-Fi ruim. Teve riso e muitos quilômetros pra andar, além de cachoeiras e umas frutas vermelhas pelo caminho que eu comi sem saber se podia. E aí veio a chuva - e que chuva - pra levar embora a dor. Junto com a chuva também veio o título da libertadores com muitos gritos e abraços. Veio também muita correria e muita gente se ajudando pra ter uma noite tranquila. Foi um perrengue e tanto mas foi bonito ver esse senso de coletivo, tão difícil hoje em dia, acontecer com naturalidade. Eu não tive tempo para ficar triste.
Lá pelas quatro da manhã quando levantei, vi o dia clareando. Já não chovia mais. Um cachorro saiu debaixo do carro enquanto as galinhas ciscavam o chão. Ali, percebendo todos esses detalhes eu pensei em você e só senti paz. Pensei na coleção dos pensadores que você me deu. Eu nunca li tudo, só os que - de fato - me interessavam. A verdade é que ler um monte de caras, por mais importantes que sejam, agora já não faz tanto sentido pra mim. Fazia, com você. Hoje, se você estivesse aqui eu te daria “O Calibã e a Bruxa” e alguns livros da Conceição Evaristo e a gente passaria horas falando sobre esses livros e essas mulheres incríveis. E assim, encontraríamos o equilíbrio entre eu e você.
Às cinco, andando entre a lama e grama molhada percebi que há dez anos não sei ser eu sem você e que tá na hora de encontrar minhas próprias vozes.
Eu quis tanto não lembrar e, depois, tive tanto medo de esquecer que não percebi que quem eu sou tem muito de nós - fortes e no plural mesmo cheio de singularidades.
Eu te escrevo desde janeiro e essa vai ser a última. Tá na hora de mudar o rumo e caminhar com calma. Fazer da felicidade rotina e respirar em paz.
Um beijo, Samir.
Com amor,
S.
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